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Adesão do Pará e o silêncio “popular”: uma reflexão sobre a história única e a marginalidade das dif

Todo ano, no Pará, vivenciamos um feriado em que não existe empatia alguma por parte dos sujeitos que deveriam ser os primeiros a lembrar de seu significado. No dia 15 de agosto de 1823, ocorreu, formalmente, a adesão do Pará a Independência do Brasil. Em outros lugares, como na Bahia, a festa de independência é uma grande comemoração popular. Mesmo com suas dimensões folclóricas e carnavalizadas, trata-se de uma interessante oportunidade para refletir, naquele Estado, os lugares sociais dos sujeitos envolvidos. Negros, indígenas e sertanejos são representados, quando não presentes como indivíduos reais, no cortejo da festa que ocorre nas ruas de Salvador. No entanto, no Pará, a data passa como mais um feriado comum, sem nenhum vínculo de responsabilidades ou de interesse para os principais protagonistas dessa história: os paraenses. Bem, cabe refletir o porquê de tal apatia.

Em 1822, quando foi declarada a Independência do Brasil, no Rio de Janeiro, então capital do Império, o Estado brasileiro não tinha condições estruturais, administrativas e militares, para impor a independência a todo o território. A marinha era portuguesa. Não havia forças nacionais. Aliás, não havia sequer “povo brasileiro”, pois a maioria da população negra ainda estava escravizada e a população indígena, marginalizada como “selvagem” e considerada como sinônimo de atraso. Brasileiros seriam apenas os brancos descendentes dos portugueses. Frente a tais limitações, a solução do governo foi contratar mercenários estrangeiros para impor a independência para além da capital.

Apenas em 1823 a frota mercenária se aproximou do Pará, visando dar continuidade ao processo de independência. Internamente, Belém fervilhava. O interesse pela independência era grande, mas as elites portuguesas se mantinham no poder graças à superioridade bélica e econômica que os favorecia. O contato entre a capital paraense e Lisboa era mais prático do que as comunicações com o Rio de Janeiro. Além disso, a marinha portuguesa garantia a dominação colonial.

Quando os mercenários chegaram ao Maranhão, uma frota menor foi enviada para “negociar” a independência paraense. Consta que os portugueses, temerosos por suas fortunas, acataram a independência. Eis o porquê de um termo nada coloquial ou popular, como “adesão” passou a ser a referência para a independência paraense.

Ao saber da notícia, populares saíram às ruas, invadiram comércios portugueses, e negros escravizados chegaram a acreditar em uma possível liberdade. Os ricos portugueses, temerosos por seus privilégios, apelaram para a solidariedade branca. Solicitaram a intervenção dos mercenários alegando que havia conflitos na cidade contra a “adesão”. Os mercenários invadiram a cidade e caçaram todos os que eram considerados como suspeitos. O resultado foi o encarceramento de mais de 256 pessoas nos porões de um navio ancorado na baía do Guajará. O episódio, que terminou em tragédia para os paraenses, ficou conhecido como o “massacre do brigue palhaço”. Homens de idades diferentes que lutavam pela independência foram assassinados no porão em nome da “adesão” do Pará a Independência. Como resultado, o Pará aderiu a independência, mas o poder continuou nas mãos dos portugueses e de seus descendentes. Não mudou quase nada a situação dos paraenses. Tanto que outras lutas voltaram a ocorrer e a maior delas ficou conhecida como nome de Cabanagem, ocorrida em 1835. Contudo, não cabe aqui narrar em detalhes essa outra experiência amarga sofrida pelos paraenses. Adianto apenas que o resultado não foi diferente do que aconteceu anteriormente: a violência branca, do governo do Rio de Janeiro, contra a mobilização de negros, tapuias, ribeirinhos e outros rebeldes. Por consequência, a descendência portuguesa se manteve no governo paraense com o final do movimento cabano.

As derrotas das iniciativas populares e a manutenção do poder branco de ascendência portuguesa, ajudam a entender o porquê do dia da “adesão do Pará” passar sempre e literalmente em “branco”. As escolas emudecem. Os intelectuais entendem que não diz respeito a eles. Os comerciantes negociam do modo clássico, como sempre fizeram, em desvantagem para o trabalhador. Os currículos de formação, mesmo os de história, continuam repetindo uma história única, como se a história do Pará fosse apenas a continuidade da história portuguesa. Assim, os diferentes, marginalizados pela história única, continuam sujeitos aos novos porões de Brigue palhaços modernos: o latifúndio e a grilagem de terras, que estrangulam a resistência quilombola e indígena.

Que possamos refletir sobre esses silêncios de histórias não contadas. Que a adesão se torne realmente uma referência de independência. Contudo, para que isso ocorra, será preciso resignificá-la com novas práticas. Nada de sujeição ao Estado e ao racismo que persiste em nosso meio. Que a memória das inciativas de revoltas, mesmo derrotadas, seja despertada. Teremos, assim, a oportunidade de forjar ações diretas contra uma mentalidade colonial que persiste nas práticas paraenses. Como diria o saudoso Vicente Salles: “Nós que vivemos em uma região colonial não podemos tolerar o conformismo dos colonizados”.

*Augusto Leal é professor da Faculdade de História do Tocantins-FACHTO/Cametá, da Universidade Federal do Pará, e autor de "Gladiadores de escassa musculatura".


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